Nativismo

Até as vésperas da Independência, o termo ‘brasileiro’ referia-se simplesmente ao local de nascimento ou moradia. Sendo o território da América portuguesa dividido por profundas diferenças regionais e culturais, o termo ainda não tinha o sentido de identidade coletiva, seja cultural ou política, que iria adquirir mais tarde. A Independência desperta, pelo contrário, um grande entusiasmo por tudo que pudesse diferenciar o país que surgia da antiga metrópole. À medida que cresce a revolta contra as tentativas das Cortes portuguesas de refazer a antiga relação entre Brasil e Portugal, cresce também o ardor nativista dos cidadãos do Império recém criado.
A febre nativista é tal que se torna costume (até entre portugueses aqui radicados) adotar um nome nativo no lugar de sobrenomes lusos; os brasileiros buscam uma nova identidade, ligada à terra nova, às novas raízes. O padre alagoano Pedro Antônio de Souza, por exemplo, declara pelos jornais que deseja “ser conhecido de hoje em diante por Pedro Antônio Cabra-bode”.  Já o jornalista baiano Francisco José Corte Real adota o nome de Francisco José Corte Nacional e, a seguir, Corte Imperial. Recusando-se as indumentárias européias, usam-se roupas feitas com o algodão local e grandes chapéus de palha. E, desde sempre, come-se a indefectível farinha-da-terra, que une brancos, negros e índios.
O nativismo é também uma reação contra o domínio português sobre o comércio – e portanto sobre os empregos e a renda – e acaba por se exacerbar em xenofobia. São comuns as cenas de pancadaria entre brasileiros e portugueses, civis e militares, deixando tensas algumas cidades, caso do Rio de Janeiro e de Recife. A oposição aos portugueses piora com a constante presença deles no país e a crescente oposição a d. Pedro I, que culmina com sua abdicação em 1831.
A natureza luxuriante, indo além das riquezas da terra, em cuja comparação Portugal faz triste figura, é uma das bases simbólicas em que se constrói o sentimento nativista. Já em 1819, antes mesmo do acirramento dos ânimos nacionais, José Bonifácio é um dos que glorificam o Brasil de acordo com estes valores: “E que país esse, senhores, para uma nova civilização e para novo assento das ciências! Que terra para um vasto e grande Império (...) Riquíssimo nos três reinos da Natureza, com o andar dos tempos nenhum outro país poderá correr parelhas com a nova Lusitânia”. As maravilhas naturais, superlativas em tudo, são antídotos contra o saber da época, que considera o clima tropical extremamente nocivo, causador de doenças.
As correntes artísticas que se desenvolvem a partir de meados de 1830 seriam fortemente marcadas por este clima nativista. O romantismo literário, iniciado de forma programática por um grupo de bacharéis do Rio de Janeiro, buscaria na natureza e num índio idealizado seus temas mais recorrentes. A criação cultural do período seria permeada por visões maravilhosas, mares e rios desmedidos, árvores e bosques frondosos, imensos e mansos animais, ouro e diamantes a jorrar do solo e, quase tão naturais quanto os jacarés, índios ansiosos por se civilizarem.
O que, duzentos anos depois, parece exagerado é uma força importante na separação de Portugal. O orgulho nativista, que só no final do século ganharia os contornos de um nacionalismo programático, une os brasileiros nos conflitos com o governo português e fortalece o desejo de mudança. Tão importante é esse sentimento, que ele se vê apropriado pelo governo nascente. Os símbolos nacionais, as comemorações oficiais da Independência, os hinos, os uniformes, tudo isso traz a marca do sentimento nativista e reflete, no governo, o desejo da sociedade.
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